Mundo da

{Gramática}

Conheça o

Web-museu da Gramática

O Web-Museu da Gramática (MuGra) propõe-se a analisar e divulgar informações sobre gramáticas. Por tanto, a contribuição de seu acervo é destacada tanto pelo interesse histórico quanto pela relevância da temática para a sociedade. Isso porque, ao examinar o objeto ‘gramática’, o museu está refletindo sobre um recurso tecnológico que tem impactado a humanidade, não somente em suas regras comunicativas, mas também em toda a ecologia linguística das comunidades onde circula. Além disso, não se pode negligenciar que as gramáticas possibilitam compartilhar e documentar o conhecimento linguístico produzido por uma sociedade ao longo da história.

Desse modo, o MuGra cria um ambiente virtual que compartilha informações sobre o processo de criação de gramáticas no mundo e, em especial, no Brasil. Por colocar em foco a gramática e, consequentemente, a língua(gem), o Web-Museu tem o potencial de impactar um público heterogêneo e abrangente, formado tanto por estudantes de idiomas e curiosos pelo conhecimento sobre a linguagem, como por profissionais em formação ou já em atuação que exercem funções relacionadas ao idioma. Sendo assim, partimos de uma linguagem acessível e de ferramentas de interação a fim de facilitar a interação dialógica com o visitante.

Uma vez que a gramática assume o papel de protagonista na discussão do MuGra, sua concepção foi pautada pela reflexão e debate sobre a concepção social e o modelo de língua apresentado nas folhas de cada texto gramatical investigado. Dessa forma, questões teóricas permeiam as atividades propostas no ambiente virtual, conduzindo o espectador à reflexão sobre o que é linguagem, língua, norma e variação linguística. Esperamos, dessa maneira, contribuir para o questionamento de preconceitos linguísticos, bem como para a criação de uma sociedade mais tolerante e democrática em relação aos usos da língua.

Nas páginas seguintes deste ambiente virtual, será possível encontrar um acervo com centenas de gramáticas, uma base de dados para o ensino de idiomas, uma plataforma com conferências e vídeos sobre o ensino de línguas, norma linguística e gramática, um minidicionário, algumas ferramentas de interação e busca a partir de uma nuvem de palavras, linha do tempo, mapa, etc.

Para a compilação do corpus de gramáticas, consideramos o acervo de bibliotecas nacionais e internacionais, bem como as bases bibliográficas digitais: books.google.com, achirve.org, hathitrust.org, scribd.com, banco de dados do CEDOCH/USP, Biblioteca Virtual de la Gramática Escolar Argentina (BIGEA), Biblioteca Digital del Patrimonio Iberoamericano, Biblioteca Digital Luso-brasileira, Biblioteca Virtual das Ciências da Linguagem no Brasil, Biblioteca Virtual de la Filología Española, Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, Bibliotecas Digitales de las Juntas de Extremadura Andalucía, Castilla y León e Galicia, Corpus de Textes Linguistiques Fondamentaux, Diversitat Lingüística a l’Ensenyament del Castellà a Catalunya, Fontes Linguísticas do Português, Proyecto Hispanagrama, entre outros.

 

A construção da identidade visual e do design gráfico

Por se tratar da proposição da identidade visual de um museu virtual, em particular, voltado à gramática, assumimos como principal instrumento de interação a própria palavra, com sua tipografia, forma e artifícios visuais que envolvem as letras.

Na etapa de exploração da criatividade para a construção da identidade do espaço, nos deparamos com desafios e perguntas importantes, tais como o caminho a se percorrer para alcançar uma estética agradável e que contribua para uma experiência didática, formativa e lúdica do visitante. As buscas foram iniciadas de forma intuitiva e amparadas no cotidiano. Inspiramo-nos em uma visita a um jardim com artefatos em concreto que sustentam o crescimento das plantas. Esse cenário mostrou-nos uma conexão possível entre as formas arquitetônicas encontradas no jardim e as gramáticas – que registram e dão suporte à língua viva em constante adaptação às demandas da sociedade, assim como as flores e plantas no espaço cultivado pelo homem.

Desse modo, o MuGra, inspirado nas obras em concreto do canadense David Umemoto, se organiza a partir de uma estrutura arquitetônica em bloco de concreto com diferentes níveis para proporcionar uma experiência única ao visitante.

A opção pelo concreto resulta do paralelo que estabelecemos com a gramática, por permitir criar andares e degraus sólidos que levam à imersão da compreensão da estrutura da língua em alguns de seus níveis. De modo prático, ao se conectar ao site do museu, o visitante poderá se orientar, no primeiro andar, por uma linha do tempo que apresenta o acervo em ordem cronológica. No segundo piso, o visitante é levado a transitar pelas obras a partir da perspectiva espacial, isto é, localizando geograficamente a produção gramaticográfica pelo globo terrestre.

Finalmente, esclarecemos que a marca e logo “MuGra” estão baseadas em elementos sólidos e objetivos. Com espaçamento amplo, tipografia sem serifas, a palavra MuGra acompanha a imagem em cor azul e com hachuras que caracteriza a visão do museu – inspirada na obra de David Umemoto. O objetivo principal da logo é agregar força, inteligência e praticidade ao conceito geral do museu e criar uma marca forte.

A história da

{Gramática}

A gramática como instrumento que repercute no comportamento linguístico dos indivíduos de uma comunidade decorre, conforme explica Neves (2005), de um contexto histórico de transformação social:

A disciplina gramatical é uma criação da época helenística, a qual representa, em relação à época helênica, não apenas uma diferença de organização política e social (o fim das cidades-estados), mas também o estabelecimento de um novo estilo de vida, um novo ideal de cultura. Especialmente, verifica-se um esforço de pesquisa; reflete-se e exerce-se crítica sobre tudo o que ficara de séculos de criatividade. A atividade cultural se concentra nas bibliotecas e tem em vista primordialmente a preservação, para transmissão, da cultura helênica (NEVES, 2005, p. 111).

Sua construção resulta, portanto, de um esforço social maior de tentar recuperar a herança política, filosófica e artística que havia experimentado a Grécia em seu apogeu. Nesse movimento de apreço pelo passado, surge uma educação fundamentada na transmissão de um patrimônio literário criado pela filosofia helênica, de modo que a Gramática operou nesse contexto com um interesse filológico, cujo objetivo era conhecer a técnica helênica, prestigiada na sociedade helenística.

Desse modo, a gramática visava a facilitar o acesso aos primeiros poetas gregos, explicitando, por meio da pesquisa filológica, a língua desses autores e “protegendo-a da corrupção”, já que a língua falada cotidianamente nos centros do helenismo era considerada corrompida (NEVES, 2005). Assim, observa-se já na base da fomentação da gramática um conflito cultural e normativo que opunha a memória de uma língua (helênica) ao uso linguístico observado no cotidiano (helenístico) – este mais estigmatizado e menorizado, aquela tida como bela, perfeita e sem corrupção. Essa valoração à língua ideal e escrita permaneceu historicamente atrelada à Gramática, ao menos na sua versão Tradicional.

Leite (2007) observa, especialmente entre os séculos II a. C. e I d. C., uma mudança significativa quando ao objetivo que passa a adotar a gramática, assim:

Da concepção de “gramática como competência em matéria de textos”, em que as regras eram explicativas dos fenômenos ocorridos nos textos de cada autor, passou-se a “uma concepção de gramática como sistema da língua”, em que as regras eram resultantes de usos comuns e deviam tornar-se modelo para o uso comum, isto é, deviam tornar-se norma, padrão de correção (LEITE, 2007, p. 45).

A partir de então, a gramática assume um objetivo mais amplo e aplicado às demandas da sociedade em seu entorno, fomentando a codificação da língua em circulação – embora ainda orientada por princípios cultivados na abordagem inicial, quando a língua escrita dos autores clássicos fora considerada incorruptível e bela, ao passo que o uso cotidiano e falado fora tratado como cheio de desvios e incorreções. Desse modo, a gramática coloca-se em um paradoxo ao “impor regras para o uso da língua sem, no entanto, descrever, efetivamente, a língua em uso”. (LEITE, 2007, p. 48).

Dava-se início à construção do que hoje conhecemos como Gramática Tradicional, uma abordagem que se concentra nas normas do bem falar e escrever, estipulando uma espécie de lei que regula o uso da língua. Assim, irá considerar como “erro” qualquer uso concreto que fuja os regulamentos de suas folhas.

Antunes (2007, p. 33) observa que essa gramática “focaliza as hipóteses de uso considerado padrão, fixando-se, assim, no conjunto de regras que marcam o que se considera o uso correto da língua”, por conseguinte, pautará como se deve dizer ou não. A RAE (2009) adiciona às características desse modelo o respaldo institucional que pode receber. Além disso, destaca que o adjetivo tradicional designa as características que remontam à tradição greco-latina, as quais chegaram em alguma de suas formas até a atualidade.

Investigando mais profundamente o Paradigma Tradicional de Gramatização, Vieira (2016, 2018) também identifica a criação de um padrão linguístico ideal a partir da prescrição de supostas formas corretas e legítimas, encontradas privilegiadamente na escrita literária pregressa, isto é, que compõe o cânone da literatura nacional em seu apogeu histórico. Assim, confunde “gramática, norma e língua, entendendo-as como objetos autônomos, homogêneos e estáticos, independentes de seus usuários e a serviço da expressão do pensamento” (VIEIRA, 2016, p. 22).

Segundo o autor, a Gramática Tradicional tomará a frase como unidade máxima de análise e se valerá de um “aparato categorial conceitual e terminológico comum, fixo e estanque”, que, como vimos, remonta à tradição clássica. Vieira (2018) sintetiza essa perspectiva normativa a partir de 22 características, das quais destacamos que:

      1. A gramática constrói um modelo artificial ideal de língua.
      2. A gramática, independentemente do seu uso escolar, tem função pedagógica.
      3. A língua equivale à sua modalidade escrita.
      4. Os usos que se afastam das formas legitimadas pela gramática são ignorados ou classificados como vícios.
      5. As línguas das gerações pregressas é melhor que a das gerações atuais.
      6. A gramática de uma língua se divide em fonologia, morfologia e sintaxe.
      7. A gramática regula a língua, prescrevendo suas formas legítimas.
      8. A gramática de uma língua é a gramática das frases (períodos) da língua, tomadas como unidade máxima de análise.
      9. As categorias gramaticais são fixas, estanques e avessas a controvérsias.
      10. Descrever uma língua se confunde com normatizá-la, prescrevê-la.
      11. A melhor língua é a língua do colonizador.
      12. A língua é um objeto autônomo, independente dos seus usuários.
      13. A língua é homogênea e estática.
      14. A língua literária é a mais bem elaborada e deve, portanto, servir de modelo (VIEIRA, 2018, p. 235).

Voltando-nos à abordagem histórica da construção da Gramática como instrumento, dirigimo-nos à sua história no Brasil e encontramos na periodização dos estudos linguísticos brasileiros, de Cavaliere (2001), a proposição de quatro principais etapas de formação das ideias linguísticas no país. No (i) ‘período embrionário’, desenvolvem-se os primeiros textos linguísticos brasileiros, incluindo desde o ano 1595, quando se publica a Arte da gramática da língua mais usada na costa do Brasil, de José de Anchieta, até 1802, com a publicação do Epítome da grammatica da língua portugueza, de Antonio de Moraes Silva. Nessa fase, “os estudos filológicos em toda a sua extensão são esparsos e sem nenhum valor significativo como expressão do pensamento linguístico no Brasil” (CAVALIERE, 2001, p. 58).

O (ii) ‘período racionalista’, vigente entre os anos 1802 e 1881, é marcado pela tradição dos compêndios didáticos lusitanos que seguiam as bases das gramáticas latinas aplicadas ao vernáculo. Segundo Cavaliere (2001), observam-se “as primeiras manifestações do estudioso brasileiro sobre fatos da língua como expressão de uma nacionalidade emergente, sobretudo após a data expressiva da Independência” (CAVALIERE, 2001, p. 58). Destaca-se nesse período o chamado “grupo maranhense”, no qual se incluíam Antônio Gonçalves Dias, Odorico Mendes e Francisco Sotero Reis, e vernaculistas como Charles Grivet, autor da Grammatica analytica da língua portugueza, 1865.

Por sua vez, o (iii) ‘período científico’ inicia-se em 1881, com a Grammatica portugueza, de Júlio Ribeiro, e vai até 1941. Nessa etapa, observam-se “ecos dos estudos histórico-comparativistas europeus” (CAVALIERE, 2001, p. 59). A partir de um corpus de trabalho essencialmente literário – com domínio de clássicos portugueses –, volta-se à língua vernácula a partir de uma minuciosa pesquisa etimológica e do comparativismo típico da romanística europeia. São desse período os autores Maximino Maciel, Manuel Pacheco da Silva Jr., Lameira Andrade, Alfredo Gomes, Heráclito Graça, Eduardo C. Pereira, João Roberto e Said Ali.

Finalmente, o (iv) ‘período linguístico’ inicia-se em 1941, com a publicação dos Princípios de lingüística geral, de Mattoso Câmara, e permanece até a atualidade. A fase é marcada pela produção resultante da inserção da disciplina de linguística nos cursos de Letras no Brasil e se caracteriza pela maturação da Linguística no país e fomentação de estudos sobre a linguagem sob diferentes abordagens científicas. A esse respeito, Cavaliere (2001) afirma que “jamais anteriormente se dedicara atenção específica à teoria linguística, assim entendida como objeto desvinculado da análise do fato gramatical em português, ou mesmo da área mais abrangente da romanística” (CAVALIERE, 2001, p. 62).

Subdivide-se esse último período em duas fases. A primeira, denominada ‘estruturalista’, encerra-se em 1970 e ficou caracterizada como um período de transição e consolidação da Linguística no Brasil, representada, até então, pelos estudos estruturalistas. Como tal, se observou nessas três décadas uma “atmosfera densa e hostil, que encobre uma ‘guerra’ de interesses e prestígio entre filologia e linguística no Brasil” (CAVALIERE, 2001, p. 65).

Entre 1970 e 1980, inicia-se a fase denominada diversificada, a partir da qual novas correntes linguísticas são inseridas nos estudos brasileiros da linguagem. Experimenta-se desde então “uma nova ordem científica, em que a iniciativa pessoal cede espaço para grupos de trabalho organizados em nível nacional, invariavelmente vinculados aos programas de pós-graduação das universidades estatais”. Nota-se maior atenção ao estudo da oralidade – por projetos como o NURC – e a reflexão teórica sai “das entranhas da gramática, para expandir-se no ambiente sem fronteiras dos usos linguísticos” (CAVALIERE, 2001, p. 67).

Os fatos históricos encimados revelam que, até meados do século passado, a reflexão sobre língua no Brasil limitava-se preponderantemente aos impulsos teóricos e metodológicos da Gramática Tradicional, com pouca reflexão sobre as especificidades do funcionamento da língua portuguesa no país. Embora o período Linguístico fomentasse a reflexão sobre o português brasileiro, especialmente sobre a exegese estruturalista, a discussão sobre o funcionamento da língua sob pressupostos pragmáticos, discursivos e sociais só iria se consolidar ao fim do século passado, de modo que as contribuições para a gramatização do português brasileiro feita por disciplinas com um olhar funcional sobre a língua só começa a ser sentida efetivamente no presente século, com trabalhos como os de Maria Helena de Moura Neves, Mario Perini, Ataliba Teixeira de Castilho, Marcos Bagno etc.

O que dizem

Gramáticas e Gramaticógrafos

Gramática es el arte de hablar. Arte es un conjunto o reunión de reglas o preceptos para hacer bien una cosa. Así la Gramática enseña a hablar bien. Y la Gramática Castellana enseña las reglas o preceptos para hablar bien el idioma castellano

Joaquín de Avendaño

Gramática é a exposição metódica dos fatos da linguagem.

Júlio Ribeiro

La gramática de una lengua es el arte de hablarla correctamente, esto es, conforme al buen uso, que es el uso de la jente [sic] educada

Andrés Bello